Capítulo 1 – Detetive
O dia estava quente e o ar condicionado da sala havia enguiçado. Por
causa da falta de verba, estava sendo obrigado a se virar com um ventilador de
parede tão obtuso quanto o próprio delegado Mayhew.
O detetive Carlile assinava uma pilha de protocolos atrasados, enquanto
um filete de suor escorria por suas têmporas e ameaçava cair sobre o papel. A
pior parte de ser detetive era a burocracia que precisava enfrentar para dar
andamento a alguns casos.
Com os olhos no relógio de pulso, pensava apenas em ir embora dali e
descansar vendo Fórmula 1 na TV enquanto estufava a barriga com comida
congelada e cerveja. Mas para seu azar o dele, o expediente estava longe de
acabar.
- Carlile? – A secretária do delegado escancarou a porta sem ao menos
pedir licença. Arthur já havia se cansado de reclamar do seu mau hábito, mas
Georgia Banks nunca lhe dava ouvidos, então ele apenas levantou a cabeça e
esperou que ela prosseguisse. – O delegado quer vê-lo, parece que surgiu uma
testemunha do caso Armstrong.
Arthur soltou a caneta sobre os papéis. O caso Armstrong era o seu caso
mais importante, ele sentia aquilo, apesar de ser o seu caso com menos
evidências. As pistas do assassino eram praticamente nulas, na verdade. Mas ele
se recusava a engavetar o caso, estava agarrado à necessidade de desvendá-lo.
- Tudo bem, já estou a caminho.
- Vou avisar ao delegado. – Georgia fechou a porta com tanta força que o
barulho ainda ficou ressonando nos ouvidos de Arthur por alguns instantes. Ele
se perguntava se alguma vez na vida alguém havia se preocupado em ensinar boas
maneiras para aquela mulher.
Depois de soltar um bom suspiro, olhou para a enorme pilha de papéis e
lamentou saber que demoraria uma eternidade para terminar tudo aquilo,
principalmente com novos casos chegando tão depressa. Arthur se levantou e
precariamente limpou o suor da testa com a manga da camisa.
Abandonou os papéis e atravessou o corredor em direção ao escritório do
delegado Mayhew. Bateu na porta.
- Entre! – A voz do delegado soou ríspida, como de costume.
Absurdamente, o ar condicionado da sala do delegado Mayhew estava em
perfeitas condições, algo que deixou Arthur muito contrariado. Mas como o bom
covarde que é, ficou calado e aproveitou o friozinho.
- Queria me ver? – perguntou ao mesmo instante que puxava uma cadeira e
se sentava.
- Sim. – Mayhew tinha um aspecto cansado, franziu levemente o cenho ao
dar uma olhada em um papel em particular sobre sua mesa. – Você não me entregou
nenhum protocolo essa semana Arthur. Sabe que precisa deles para conseguir tudo
o que precisa para seus casos, não sabe?
- Sei sim, me desculpe. Tem sido complicado conciliar o trabalho de
campo com a burocracia. – abriu um sorriso envergonhado.
O delegado apenas respirou fundo e acenou negativamente com a cabeça.
- Tem até o fim da semana para por tudo na minha mesa, ok?
- Sim, senhor.
Arthur varreu o olhar pelos arquivos sobre a mesa do delegado, curioso
para saber o que havia de novo sobre seu caso. Como se estivesse lendo os
pensamentos de Arthur, o delegado tocou no assunto.
- Encontrei uma testemunha pra você.
- Sério?! Finalmente! – comemorou.
Mayhew colocou uma pasta fina e marrom diante de Arthur, mas antes que o
detetive pudesse pegá-la, pousou a mão sobre o documento e fez uma ressalva.
- Não se anime muito, ela sabe de coisas muito importantes e
aparentemente tem sido alvo de perseguições. Aceitou depor com a condição de
total proteção a ela e à irmã adolescente. Ela está nas mãos dos FBI agora, e
provavelmente esse caso vai sair das nossas costas e ir para a de gente muito
mais importante e experiente.
Arthur estava chocado. Apertou levemente os punhos, mas se esforçou ao
máximo para não demonstrar seu desapontamento. Aquele era pra ser o caso da sua
vida. O caso que o tiraria de uma sala abafada e o levaria para repartições bem
mais importantes.
- Então... Então realmente havia algo importante sobre esse caso?
- Sim Arthur, de acordo com os relatos da testemunha, identificamos um
matador de aluguel que está há anos na lista de procurados do FBI. – Mayhew
empurrou o arquivo pardo na direção de Arthur para que ele o analisasse. – Você
poderá interrogá-la amanhã cedo, já que antes do caso passar à polícia federal
vão precisar do seu relatório.
As mãos de Arthur acariciaram o arquivo com tristeza. Depois disso o
delegado Mayhew o dispensou, e saiu abraçado com a pasta parda, sentindo um
vazio estranho no peito.
A ideia de permanecer como um fracassado era assustadora, fazia seu
peito chiar, o estômago dar voltas e a espinha se eriçar dentro do corpo. Não
era algo que agradável de sentir.
Deslizou derrotado pela cadeira e se debruçou sobre o arquivo. Na
primeira página, um perfil completo da testemunha. Levou a tarde inteira lendo
e relendo cada detalhe, numa tentativa desesperada de captar algo que nenhum
detetive federal seria capaz de encontrar.
Mas a quem mesmo ele queria enganar? Ele era só mais um azarado.
Naquela noite sonhou com Cassie. Não com a garota propriamente dita, mas
com a ideia de um vulto que na sua mente era Cassie. No sonho ela lhe segredava
algo extra confidencial sobre o caso.
***
Tanque cheio de café, mãos elétricas, olhos bem abertos e cabelos
apontando para o teto.
Este era o retrato de Arthur às oito da manhã. Antes de interrogar a
testemunha, já havia sido interceptado por Georgia e sido contaminado com seu
terrível mau humor matinal. Delegado e detetive estavam lado a lado, de frente
para Cassie Turner.
O cabelo da moça era algo incrível, longo, bem cuidado, as ondas eram
uniformes e desciam castanhas até o meio da cintura. O rosto de Cassie também
era bonito, nada extraordinário, mas o seu cansaço não a deixava muito
atraente. Os lábios estavam rachados, os olhos meio escuros de olheiras e o
nariz avermelhado de uma choradeira prévia àquela conversa.
Cassie não havia testemunhado o assassinato, mas havia tido uma conversa
de um pouco mais de um minuto com o assassino, sem saber que ele havia cometido
um crime.
- Foi rápido, ele estava entrando na rua, eu estava na porta de casa.
Ele parou e me perguntou onde ficava a casa dos Armstrong. Ele estava vestido
de entregador, não desconfiei.
Arthur e Mayhew trocaram olhar.
- Tem certeza disso? Criminosos não costumam parar para pedir
informação, na verdade eles não gostam muito de testemunhas. – Disse o delegado
Mayhew.
- Tenho sim senhor, ele... – Cassie corou um pouco. – ele sorriu para
mim, e quando foi embora acenou. Nunca imaginei que...
- Mas isso não é possível, que tipo de assassino idiota é esse que sorri
e acena para pessoas antes de ir matar um cara?
Arthur ficou calado. Era o tipo de assassino que sabia que não seria
pego.
- Esse é um assassino procurado pelo FBI, ele não acha que será pego
pela local de uma cidade como essa. – disse Arthur, sem esconder sua ponta de
decepção.
O detetive tirou de sua pasta a foto do assassino que se encontrava na
lista do FBI, olhou-a rapidamente. O assassino era mais ou menos da sua idade,
ou talvez mais jovem, asiático, de cabeça raspada e corpo forte. Colocou a foto
sobre a mesa e a empurrou com a ponta do indicador na direção de Cassie.
- Esse era o entregador?
A garota confirmou com a cabeça.
O que seguiu dali foi apenas um diálogo de praxe, Cassie não havia
escutado, nem visto nada do crime, mas em um ponto da conversa se mostrou
preocupada, queria proteção urgente, para ela e para a irmã pré-adolescente.
O delegado suspirou.
- Tudo bem, mas quem decidirá a respeito disso será o FBI, querida. Seu
caso não está mais em nossas mãos. – Cassie abaixou a cabeça, decepcionada. - Ainda
quer perguntar mais alguma coisa, Carlile?
Os olhares do detetive e da garota se encontraram por um instante. Ele
queria desesperadamente algo único daquele depoimento, mas não havia nada, apenas
olhos vazios.
- Não senhor. – Se colocou de pé.
O delegado abriu a porta e saiu, Arthur ia logo atrás dele, mas Cassie
segurou seu pulso.
- Por favor... Eu preciso de proteção.
- Olha Cassie, isso está fora do nosso alcance, além disso, o FBI estará
aqui amanhã cedo.
- Não! Eu não posso esperar!
Arthur a encarou.
- Por que não?
- Ele tem nos ligado. – a garota estava alterada, seu olhar opaco agora era
vivo e exaltado. – Ele vai nos matar.

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